Guerra destruiu sistema agrícola de Gaza: apenas 4,6% das terras podem ser cultivadas, alerta a ONU
De acordo com a mais recente avaliação geoespacial da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em colaboração com o Centro de Satélites das Nações Unidas (Unosat), apenas 4,6% das terras agrícolas de Gaza ainda são cultiváveis, ou seja, 688 hectares. Antes da guerra, praticamente metade do território do enclave era usado para a agricultura. Os especialistas temem o impacto dessa situação na segurança alimentar da população a longo prazo.
As imagens de destruição provocadas pelos ataques israelenses revelam aos poucos outro aspecto da guerra: o impacto dos bombardeios na atividade agrícola do enclave. Antes do início da guerra, um quarto da população vivia graças à produção agrícola, da pecuária ou da pesca. Desde o início do conflito, inúmeras fazendas familiares, geralmente em áreas de fronteira, mas também estufas e poços, foram totalmente destruídos pelos bombardeios. No final de abril, mais de 80% das terras agrícolas haviam sido danificadas e 77,8% não eram mais íveis, restando apenas 4,6% das terras potencialmente cultiváveis.
"Nossas vidas estão ameaçadas", se desespera Samer, um morador de Jabalia, deslocado para Deir al-Balah. "Se alguém quiser cultivar legumes em suas terras perto das fronteiras, eles os venderão por um preço extremamente alto, devido à escassez de alimentos. É também por isso que todos os preços subiram na Faixa de Gaza", explicou, em entrevista à RFI.
Em um momento em que a ajuda humanitária ainda pena para chegar, a destruição das terras cultiváveis representa uma catástrofe, alerta Benjamin Davis, da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). "A Faixa de Gaza está à beira da fome. E agora o sistema agrícola não existe mais", sentenciou, em um vídeo publicado nas redes sociais.
"Comida é um direito"
"Nossa organização realizou uma simulação para estimar as necessidades alimentares da população, levando em conta o bloqueio humanitário. Não é de surpreender que essa simulação mostre um colapso total do suprimento de alimentos. Isso exige uma resposta imediata. A comida não é um privilégio: é um direito", declarou Davis.
Na segunda-feira (26), a organização Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês) anunciou ter começado a entregar alimentos no território palestino. Mas as Nações Unidas declaram nesta terça-feira (27) não ter informações sobre a entrega efetiva desses suprimentos.
"A ONU não está envolvida no trabalho da fundação GHF", disse Jens Laerke, porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha). "Isso nos afasta do que é realmente necessário, que é a reabertura de todas as travessias para Gaza, um ambiente seguro dentro da Faixa e uma facilitação mais rápida das autorizações e aprovações finais para todos os suprimentos de emergência que temos do lado de fora da fronteira e que precisam ser entregues", acrescentou.
Entidade contestada
A Fundação Humanitária de Gaza foi criada recentemente com o apoio do governo dos Estados Unidos para distribuir ajuda no enclave. No entanto, a entidade foi acusada de ajudar Israel a cumprir seus objetivos militares, sem incluir os palestinos e à margem da ONU. Outra crítica contra a GHF é seu método de designar "lugares de distribuição seguros", que muitas organizações afirmam ir contra os princípios da ajuda humanitária, pois obriga a população a se deslocar em meio a um conflito.
Nesta terça-feira, milhares de pessoas foram vistas correndo para um dos novos centros de distribuição de ajuda humanitária criados pela GHF, no sul da Faixa de Gaza. Os serviços de imprensa do governo do Hamas no enclave denunciaram cenas de caos, pelas quais responsabilizam Israel, e falaram de uma "invasão" dos centros de distribuição por parte de "milhares de famintos".
(Com AFP)