Como novos investimentos chineses moldam o futuro do agro brasileiro
Especialistas apontam que o capital chinês pode transformar a cadeia produtiva do agronegócio, mas destacam riscos e oportunidades. Brasil pode ficar mais competitivo e ter saltos no desenvolvimento que o ajudam até nas exportações para outros países, mas a grande dependência de um único parceiro comercial é preocupante.
Melhora de qualidade e diversidade
O Brasil tem potencial para aumentar a diversidade de produtos vendidos e de entregar mais qualidade. Projetos incluem centros de pesquisa em energias limpas e IA "com foco em agricultura", que tornam a venda de alimentos para a China mais eficiente. Sueme Mori, diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), enfatiza que aportes em infraestrutura são vitais e de interesse mútuo para cooperação entre Brasil e China, que é a maior compradora de commodities agrícolas do país.
Brasil tem potencial para melhorar destaque global. Investimentos em semicondutores, satélites e inteligência artificial podem "alavancar a indústria nacional e integrar o Brasil às cadeias globais de inovação", diz Felipe Jordy, gerente de Inteligência e Estratégia da Biond Agro. A criação de empregos qualificados e a atração de centros de pesquisa para desenvolver soluções tecnológicas próprias são alguns dos avanços possíveis.
Mais do que uma resposta momentânea à guerra tarifária, os investimentos criam sinergias estruturantes: conectam energia limpa ao agro, tecnologia à logística, educação à inovação e bioeconomia à diplomacia comercial. Para o agro brasileiro, isso significa mais que novos mercados, significa novos pilares de competitividade, autonomia tecnológica e valor agregado.
Felipe Jordy, gerente de Inteligência e Estratégia da Biond Agro
Hoje o Brasil não é tão competitivo. "A segurança alimentar é uma prioridade para a China, que precisa de importações. O Brasil é o principal fornecedor de alimentos e tem sua competitividade prejudicada por deficiências em armazenamento e escoamento", destaca Mori.
Também houve discussões para a abertura do mercado chinês para a compra de etanol, miúdos e sorgo brasileiros. O CNA diz que houve avanços recentes, com abertura do mercado chinês para miúdos de aves, sorgo e noz-pecã, mas é preciso preparar os produtores. "O Brasil tem condição de ocupar muitos espaços. A pauta atual não reflete toda a diversidade da produção brasileira", diz Mori.
Entre os acordos, destacam-se satélites e recuperação de áreas degradadas. "É muito interessante porque o Brasil está fazendo uma forte expansão da sua área agrícola e, muitas vezes, alguma área degradada poderia ser recuperada", sinaliza Edgard Monforte Merlo, professor na área de Política de Negócios e Economia da Universidade de São Paulo (USP). A China anunciou durante a viagem do presidente Lula ao país novos investimentos em infraestrutura, tecnologia e energia renovável. Dos R$ 27 bilhões anunciados por empresas chinesas, US$ 1 bilhão será para produção de combustível sustentável de aviação (SAF) a partir da cana.
Investimentos demoram a trazer resultados
O capital chinês ainda é modesto e segmentado, concentrado em energia, portos e insumos. "Um aporte que entra leva anos para maturar. Poderiam adentrar mais em transportes e ferrovias", avalia Marcos Jank, professor sênior do Insper e coordenador do Insper Agro Global.
País precisa se blindar. Mesmo com os ganhos imediatos para o Brasil, Jordy lembra que o custo de uma dependência crescente de um único mercado pode ser alto e reforça a necessidade de estratégias de "diversificação e blindagem comercial no médio e longo prazo". "Enquanto esses avanços estruturais não se consolidam, o país seguirá exposto às oscilações dos preços das commodities, mantendo uma posição de relevância, mas também de vulnerabilidade, no comércio internacional", ressalta.
Diversificar é preciso
Concentração é em commodities. Do total de exportações brasileiras para os chineses, 75% ainda é concentrado em soja, petróleo e minério de ferro, e especialistas veem potencial em produtos com maior valor agregado.
Brasil tem potencial em alimentação. Jank cita frutas tropicais, café e cortes nobres de carne como possíveis alternativas para uma expansão nos mercados chineses. O coordenador também vê solução em "parcerias com empresas chinesas, como t ventures ou de inovação.
A dependência de commodities e de um único mercado preocupa. "Infelizmente, não só o Brasil, mas a América Latina, tem ficado cada vez mais dependente da exportação de produtos agrícolas, isso é ruim", afirma Merlo.
Ele critica os riscos da "reprimarização da economia", pois durante crises, o preço das commodities cai mais que o dos produtos manufaturados. "A gente tem que aproveitar [o interesse chinês], mas, por outro lado, essa parceria não vai abrir grandes mercados em termos de indústria manufatureira", alerta.
Dependência bilateral histórica
Brasil exporta a maior parte da sua soja e carne para a China. O país direcionou 73% da soja (72,5 milhões de toneladas) e 59% da carne bovina (1,32 milhão t) exportadas em 2024 para a China, segundo a Biond Agro.
É o maior parceiro comercial. Desde 2017, o Brasil domina 20% do que a China importa, superando os EUA. Jank ressalta que a interdependência traz resultados "extraordinários". "A China é o principal destino, com 30% das exportações, mais que o dobro da União Europeia", diz Mori.
Exportações triplicaram. As vendas do agro para a China saltaram de US$ 11 bilhões (2010) para mais de US$ 50 bilhões em 2023, alta de 354,5% em 15 anos, conforme dados da CNA. Em 2024, os seis principais produtos do agro (soja, milho, algodão e carnes bovina, suína e de frango) renderam US$ 40,5 bilhões ao Brasil, mais de R$ 220 bilhões em receita cambial, segundo Jordy. "A guerra comercial China-EUA deve ampliar a demanda por produtos brasileiros", diz.