'Avesso do silêncio': Jeferson Tenório transita entre diásporas negras e escrituras antirracistas em Saint-Malo
Durante sua participação na 34ª edição do Festival Étonnants Voyageurs, em Saint-Malo, o escritor brasileiro Jeferson Tenório destacou a importância de discutir o racismo estrutural e a identidade negra no Brasil contemporâneo. Autor de O Avesso da Pele, obra que tem ganhado repercussão internacional, Tenório falou sobre censura, representatividade e lutas antirracistas, além de refletir sobre as diferenças entre o racismo brasileiro e o europeu.
Durante sua participação na 34ª edição do Festival Étonnants Voyageurs, em Saint-Malo, o escritor brasileiro Jeferson Tenório destacou a importância de discutir o racismo estrutural e a identidade negra no Brasil contemporâneo. Autor de O Avesso da Pele, obra que tem ganhado repercussão internacional, Tenório falou sobre censura, representatividade e lutas antirracistas, além de refletir sobre as diferenças entre o racismo brasileiro e o europeu.
Durante sua participação na 34ª edição do Étonnants Voyageurs, o Festival Internacional do Livro e do Filme de Saint-Malo, no norte da França, o escritor brasileiro Jeferson Tenório refletiu sobre o papel dos encontros interculturais e a força da literatura como ponte entre experiências negras ao redor do mundo.
"Cada vez que há encontros entre culturas, entre diferentes literaturas e expressões artísticas, percebo que existem consonâncias. Vejo a possibilidade de diálogo, de construção de pontes. É também uma oportunidade de compreender a complexidade do racismo e de perceber que as experiências negras e diaspóricas, no fundo, são muito parecidas. Acredito que a literatura tem justamente esse papel de revelar essas identidades. Embora existam dissonâncias, obviamente, a experiência da diáspora é muito semelhante em muitos aspectos", afirmou o autor de O avesso da pele.
A mesa-redonda "Vozes de Luta" reuniu o escritor brasileiro Jeferson Tenório, o norte-americano Mateo Askaripour, e Olivier Marboeuf, de Guadalupe, somando algumas das principais vozes decoloniais a antirracistas contemporâneas. Na ocasião, Jeferson Tenório citou o autor martinicano Frantz Fanon, ao abordar o privilégio da escolha e a dimensão coletiva da existência negra, e falou ainda sobre o estágio do Brasil na discussão antirracista. Ele refletiu sobre os avanços e os desafios do país nesse tema.
"Tenho viajado bastante por vários países nos últimos anos e percebo que o Brasil tem uma discussão bastante avançada e sofisticada em relação às questões raciais. Houve um aumento significativo no reconhecimento da literatura negra, assim como dos saberes negros dentro das universidades. Me parece que, hoje, há um avanço bastante significativo. Por outro lado, também existe uma reação conservadora e reacionária que ameaça transformar esses avanços em retrocessos. Essas contradições são próprias do Brasil e vêm se acentuando nos últimos anos", analisou.
Censura
Tenório falou ainda à RFI sobre a censura sofrida por uma de suas obras mais conhecidas. "O Avesso da Pele, no ano ado, foi recolhido de algumas escolas justamente por tratar de questões como a violência policial, o racismo estrutural e também aquele racismo mais sutil, presente no cotidiano. Isso mostra como ainda vivemos em uma sociedade conservadora ? e, em muitos aspectos, autoritária ? que não permite que essas discussões cheguem às escolas, por exemplo", disse.
O escritor premiado contou ainda que esteve em Portugal para divulgar seu novo livro. "Esse é o meu trabalho mais recente, lançado em 2024, e se chama De Onde Eles Vêm. O livro conta a história de Joaquim, um jovem negro que ingressa na universidade por meio do sistema de cotas ? algo que costumo chamar de uma 'revolução silenciosa' nas universidades. Essa entrada massiva de pessoas negras no ensino superior tem transformado a sociedade e a mentalidade coletiva. Ainda há muito racismo, é claro, mas essa mudança tem causado um impacto profundo", argumentou.
Questionado sobre a percepção do "diferente", especialmente quando se fala da pessoa negra na França, Tenório disse que conhece pouco o país. "Tenho mais familiaridade com a cultura portuguesa, porque estudei bastante e frequento o país com certa regularidade. Mas, em relação à França, me parece que segue a mesma linha da maioria dos países europeus, que ainda não discutem profundamente a questão racial. Talvez o debate sobre a xenofobia surja antes mesmo da discussão racial. A impressão que tenho é que esse tema ainda é relativamente novo por aqui e precisa ser mais aprofundado. A França é um país com uma população bastante diversa, e acredito que as questões raciais estão começando a se enraizar no debate público. Ainda assim, vejo que há um caminho a ser percorrido nesse sentido", lembrou.
Sobre o país mostrado pela delegação brasileira em Saint-Malo, o escritor ponderou que se trata de um Brasil consciente da sua identidade, um Brasil que procura as suas raízes". "É um Brasil que mostra que é muito mais do que samba e futebol e todos esses estereótipos e mostrando que a gente tem muito a oferecer em termos culturais, filosóficos".
Racismos
"Acredito que o racismo no Brasil está muito ligado à cor da pele. Esse é o principal marcador", afirmou Jeferson Tenório. "Já na Europa, entram outros elementos, como a língua, a origem e os hábitos culturais. O racismo europeu é tão complexo quanto o brasileiro, mas envolve uma combinação de fatores. Aqui, nem sempre a cor da pele é o único critério para a discriminação ? há uma interseção com outras formas de exclusão. No Brasil, a cor da pele ainda é o principal fator", concluiu o autor.