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Garnier tranca o jogo no STF com sorriso irônico e óculos à la Geisel

do UOL

de São Paulo

10/06/2025 11h58

Mauro Cid, ao abrir a rodada de interrogatórios do núcleo central da trama golpista no STF, colocou o almirante Almir Garnier na prateleira dos mais radicais apoiadores de Jair Bolsonaro (PL).

Dos três chefes das Forças Armadas, o comandante da Marinha, segundo a denúncia da PGR, era o único disposto a colocar as tropas à disposição do plano criminoso. Diante de Alexandre de Moraes, era o único também que mal se lembrava de ter flertado com o caos antes e depois das eleições de 2022.

Quem esperava um militar de cara amarrada, dedo em riste, encontrou nesta terça-feira (10), na transmissão do julgamento, um réu aparentemente seguro, irônico, armado apenas com uns óculos à la Ernesto Geisel e um sorriso no canto da boca.

Em vez de cuspir marimbondos, para fazer jus à imagem pública descrita pelos colegas, Garnier parecia ter engolido as vespas uma a uma no café da manhã. Foi assim que ele jurou não ter ado nem perto da minuta golpista que previa a prisão de ministros do Supremo e outras medidas para manter Bolsonaro no poder.

Minuta, se houve, não foi impressa, e sim uma apresentação em tela. Nada que valesse o registro, segundo ele, já que os encontros com os chefes militares e Bolsonaro não tratavam de deliberações sobre como impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - a quem, em privado, Garnier dizia se negar a bater continência.

A preocupação nesses encontros, de acordo com o réu, era com a segurança da população após uma eleição tão polarizada. Garnier parecia tão preocupado que nem ele nem os demais chefes militares lembravam de desmobilizar os acampamentos que pipocaram em Brasília e pelo país ao fim do pleito. De lá partiram os primeiros ataques, inclusive à sede da Polícia Federal, no dia da diplomação de Lula, em 12 de dezembro. E de lá saiu um fã de Bolsonaro que planejou levar uma bomba para o aeroporto da capital no fim de ano.

Se estavam preocupados com o caso, os chefes militares se esqueceram de olhar a retaguarda. Se fosse uma guerra, o Brasil a essa altura teria outro nome. Em cerca de uma hora e meia de interrogatório, Garnier ticou o check list do conceito de cinismo.

Torceu e distorceu conceitos da língua portuguesa ao chamar de "coincidência" o desfile de blindados esfumaçados na Esplanada dos Ministérios no dia em que o Congresso votava (e enterrava) a PEC do voto impresso, num já distante 2021. O episódio levou Moraes e Garnier a discutirem em público um ditado chinês segundo o qual "coincidências não existem".

Sorrindo, o almirante garantiu que elas existem, sim.

Tanto existem, prosseguiu, que ele chegou atrasado a uma reunião em que os pares discutiam um golpe de Estado - e ele nem percebeu nem guardou na memória se os colegas queriam ou não prender ministros do Supremo. A explicação é que Bolsonaro fala tanto e de maneira tão caótica que é difícil prestar atenção em tudo o que sai dali.

Garnier foi além. No figurino preparado para o julgamento, disse que os militares não são conselheiros políticos e devem se ater a seus papeis e à hierarquia militar - numa estocada direcionada ao brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que relatou ao STF o incômodo dele e do então chefe do Exército, general Freire Gomes, com a pressão de Bolsonaro por um golpe. O incômodo gerou a menção a uma possível prisão do então presidente.

(A certa altura, o almirante disse, sempre contendo o sorriso, que poderia ser auto-explicativa a crítica de um outro militar a Baptista Júnior que o acusava de "querer mordomias" antes de orientar os ataques contra ele nas redes. Não explicou por que, dos chefes militares, ele foi o único a ser poupado pelo gabinete do ódio).

Militar não tem que opinar sobre questões políticas, disse Garnier, antes de ser confrontado, por Moraes, com uma declaração à imprensa em que opinava sobre questões políticas, as urnas eletrônicas e até sobre o direito de Bolsonaro "dizer o que ele quiser". A resposta foi outro sorriso no canto da boca.

Apesar do figurino, o ex-chefe da Marinha se enroscou diversas vezes. Como quando tentou explicar por que não participou da cerimônia de transmissão do cargo ao sucessor no fim de ano. Em vez disso, enviou uma mensagem protocolar. Ele quase foi às lágrimas dizendo que gostaria, sim, de uma despedida após 52 anos na Marinha. Quase. Negar as intenções golpistas é uma coisa. Fingir ter sentimento a essa altura do campeonato já era demais.

Sem corar, Garnier disse ter assistido em choque, de casa, já emocionalmente "sobrecarregado" e distante do poder, aos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro. Classificou o episódio como "muito triste" e "grave". Como se esperasse que dos acampamentos saísse uma instalação artística.

No fim, Garnier trancou o jogo, mas deixou alguns recados. Disse que, ao menos em público, prefere se manter calado porque "quem fala demais dá bom dia a cavalo". Parecia (era?) um recado ao ex-ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, que o levou até o banco dos réus. Garnier ou todo o depoimento sem dizer o nome do tenente-coronel. Preferiu chamá-lo de "coronel delator". Para bom entendedor, meio marimbondo cuspido basta.


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