Rússia bombardeia Kiev e Odessa, enquanto negociações por cessar-fogo patinam
A Rússia executou bombardeios em larga escala na madrugada desta terça-feira(10) contra a Ucrânia, com ataques de drones na capital Kiev e na cidade de Odessa, às margens do Mar Negro. Os ataques deixaram três mortos e vários feridos, segundo as autoridades.
Apesar dos esforços internacionais para impulsionar as negociações de paz e acabar com mais de três anos de guerra, Moscou intensificou os ataques contra a Ucrânia, que responde com operações militares em território russo.
Após o lançamento de mais de 300 drones e sete mísseis, o presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, reiterou seu apelo para que os aliados ocidentais respondam com "ações concretas". Ele pediu aos Estados Unidos que atuem porque, segundo disse, Washington tem o poder de obrigar a Rússia a buscar a paz. Em uma mensagem nas redes sociais, Zelensky também pediu uma reação da Europa, já que "não tem alternativa exceto mostrar firmeza".
O presidente ucraniano informou que dois mísseis lançados contra o país foram fabricados na Coreia do Norte.
Em Odessa, no sul do país, os ataques a prédios residenciais provocaram duas mortes, informou o governador Oleg Kiper. "O inimigo atacou Odessa maciçamente com drones. Infraestruturas civis sofreram danos e há incêndios. Os russos atingiram uma maternidade, um centro de emergências médicas e edifícios residenciais", acrescentou Kiper. O governador indicou que a maternidade pôde ser esvaziada a tempo, por isso não houve vítimas no local.
Em Kiev, onde uma jornalista da AFP ouviu pelo menos 12 explosões e disparos da defesa antiaérea, uma mulher morreu e quatro pessoas ficaram feridas nos bombardeios, qualificados pelo prefeito Vitali Klitschko como "ataques maciços". Os ataques causaram incêndios em edifícios e automóveis, relatou Klitschko.
Na Rússia, na região de Belgorod, que faz fronteira com a Ucrânia, uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas em um ataque com um drone ucraniano que destruiu um pequeno supermercado, anunciou o governador, Viacheslav Gladkov.
Devido aos ataques, as autoridades russas fecharam 13 aeroportos durante a noite por motivos de segurança, incluindo os quatro de Moscou e o de São Petersburgo.
Durante a noite, a Rússia lançou 315 drones explosivos, dos quais 213 foram abatidos pela defesa antiaérea, informou o Exército ucraniano, que também anunciou ter derrubado sete mísseis.
A Ucrânia intensificou os ataques de drones contra instalações estratégicas na Rússia.
Negociações não avançam
As negociações promovidas pelos Estados Unidos e com mediação da Turquia não conseguiram alcançar um acordo de cessar-fogo. O único resultado concreto foi uma troca de prisioneiros.
A Rússia exige que a Ucrânia ceda os territórios que Moscou reivindica como anexados e que renuncie ao processo de adesão à Otan. Moscou também rejeitou uma trégua "incondicional" de 30 dias solicitada por Kiev e seus aliados europeus, argumentando que o cessar-fogo permitiria o rearmamento das forças ucranianas com suprimentos ocidentais.
Nas conversações, a Ucrânia exige a retirada total das tropas russas e quer "garantias de segurança" de seus aliados ocidentais.
O único avanço concreto das negociações foi o anúncio formulado na segunda-feira (9) de que os dois lados prosseguirão com a troca de prisioneiros de guerra, uma medida estabelecida no segundo ciclo de conversações diretas em Istambul, em 2 de junho. Os países não revelaram o número de soldados que serão trocados na operação que já começou na segunda-feira.
Após a reunião em Istambul, os dois lados concordaram em libertar todos os prisioneiros gravemente feridos ou doentes, assim como os menores de 25 anos. Também anunciaram uma troca dos corpos de soldados mortos em combate.
Exército russo avança, mas custo é alto
As ofensivas de Moscou se concentram nas últimas semanas na região de Dnipro. Para Ulrich Bounat, analista geopolítico e pesquisador associado a think tank Open Diplomacy, na verdade, as tropas russas cruzaram a fronteira istrativa entre a região de Donetsk (no Donbass) e a de Dnipro, mas que este não é o verdadeiro objetivo militar da Rússia. "Isso faz parte de uma estratégia mais ampla. A cidade de Pokrovsk, no sul do Donbass, é um dos últimos bastiões ucranianos na região, e os russos tentam contorná-la. O avanço é muito lento", analisa.
"O interessante é a comunicação russa sobre essa entrada em Dnipro. A mensagem do Kremlin é: toda resistência é inútil, e quanto mais vocês resistirem, piores serão as condições de paz que vamos impor. Por isso, os russos enfatizam tanto essa entrada em Dnipro. Militarmente, é apenas uma linha istrativa, mas simbolicamente, tem peso", diz o especialista em entrevista à RFI, lembrando que a região nem faz parte das negociações propostas pela Rússia.
O exército russo continua avançando, embora a um altíssimo custo em vidas e munições. "Há três zonas quentes: Pokrovsk, Konstantinovka (ao norte, um ponto estratégico do Donbass), e uma terceira mais ao norte. Os russos conseguem avançar, mas não romper as linhas ucranianas. Eles tomam vilarejos um a um, lentamente. O front ucraniano não colapsou, embora faltem soldados e, em menor grau, munições", diz o especialista.
"A Rússia não tem, no momento, capacidade para uma ofensiva decisiva que provoque um colapso total e permita capturar vastas áreas. O avanço é lento, mas desgasta os ucranianos."
O exército ucraniano também tem atacado com drones cada vez mais o território russo. Aeroportos em Moscou e São Petersburgo, por exemplo, foram fechados na noite ada. Diferente da Rússia, que ataca civis, a Ucrânia tem se limitado a alvos militares e de infraestrutura. "O objetivo parece ser mostrar a Putin que quanto mais ele insistir na guerra, maior será o risco de instabilidade interna", acredita Bounat.
"Os ataques a bombardeiros estratégicos russos também servem para mostrar aos Estados Unidos que a Ucrânia ainda tem cartas na manga ? ao contrário do que afirma Donald Trump. Mas do ponto de vista do Kremlin, isso pode reforçar a ideia de que é ainda mais essencial vencer essa guerra", analisa.
Para ele, a Rússia "talvez queira a paz", mas sob suas próprias condições, que se assemelham, em linhas gerais, a uma capitulação da Ucrânia, incluindo que Kiev renuncie a entrar na OTAN, que abra mão da ajuda de parceiros ocidentais, especialmente em termos militares; que reduza suas capacidades de defesa, o que a deixaria vulnerável a futuras ofensivas; que reconheça a anexação das quatro regiões parcialmente ocupadas pela Rússia; e também que renuncie a qualquer tipo de indenização ou reparação de guerra.
(RFI e AFP)