Aves presas e obras em áreas tombadas: o que acontece no Pq. da Água Branca

Prestes a comemorar aniversário de 96 anos, o parque da Água Branca, na zona oeste de São Paulo, está mudado desde a concessão à Reserva Parques. O parque recebeu 2 milhões de visitantes no ano ado, segundo a concessionária. Nos últimos meses, acusações de mudanças bruscas no local de lazer ganharam repercussões populares e em esferas do poder legislativo. Veja, abaixo, as discussões mais recentes e o que cada lado tem a dizer sobre elas.
Construção de churrascaria itinerante
Vinda de churrascaria em espaço de estábulo movimentou moradores e Justiça. Desde março, debates sobre a obra de uma filial temporária da Fazenda Churrascada são feitos no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo.
Conselheiros alertaram que a área tombada ou por modificações que não estavam previstas na autorização inicial. Eles alegaram que o espaço, que deveria receber somente mobiliário móvel, ou por obras que descaracterizaram a área sem qualquer autorização. Por lei, todas as intervenções estruturais nas construções precisam ser aprovadas por órgãos públicos de preservação.
Processo de tombamento vale para fachadas da maioria dos prédios, incluindo do estábulo. A Reserva Parques também explicou que só dois prédios do parque são totalmente tombados, enquanto os demais têm ordem de tombamento somente nas fachadas. Segundo a empresa, no caso da churrascaria, nenhuma alteração na fachada foi realizada.
Inquérito civil foi aberto e paralisação das obras foi ordenada. O Ministério Público de São Paulo informou ao UOL que a promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital apura as intervenções. Dias depois, em 13 de maio, a Justiça de São Paulo determinou a paralisação das obras da churrascaria sob pena de multa.
Obras de churrascaria seguem parâmetros da regulação, diz concessionária. Segundo a Reserva Novos Parques Urbanos, o projeto da Fazenda Churrascada foi parado de forma cautelar no momento em que as primeiras denúncias sobre o assunto aconteceram, antes mesmo da ordem do município, mas nenhuma irregularidade foi encontrada. "Todas as intervenções e montagens são cenográficas e reversíveis" e, neste momento, o grupo aguarda nova reunião do conselho para aprovação que vai validar a instalação da churrascaria, afirmou a Reserva.
Instalação da churrascaria também é uma forma de ampliar oferta de alimento no local, diz concessionária. A empresa explicou que o plano diretor também prevê a ampliação da oferta de alimentos com propostas veiculadas à ambiência de fazenda. Segundo a Reserva, investimentos também são feitos nos food trucks e em outros serviços alimentícios diversificados no parque, que atenderiam a públicos de todas as faixas econômicas. Sobre o processo que corre no TJSP, a empresa afirmou que se manifestará nos autos sobre a liminar judicial que suspendeu as obras obrigatoriamente.
Supostas intervenções indevidas no parque para o evento Casacor
Evento que foi iniciado no dia 27 ganhou autorização de órgãos municipais e estaduais para revitalizar dois prédios tombados. Além disso, outros três prédios serão usados como ponto de apoio para os expositores.
Modificações feitas para o Casacor ameaçam a integridade do espaço, diz conselheira. Ao UOL, Regina Lima, conselheira do parque, explicou que a organização do evento de arquitetura ganhou autorização para revitalizar dois prédios do parque, mas faz modificações em canteiros que estão incluídos na Zona Especial de Proteção Ambiental do município e não deveriam ser modificados sem autorização da cidade.
Destruição de camadas do solo e inclusão de espécies estrangeiras preocupa. Entre as modificações feitas em jardins anexos aos prédios estão o plantio de espécies como palmeira-de-madagascar e a retirada de serrapilheira, camada de sedimentos que se acumula no solo e é essencial para o desenvolvimento de plantas. "A questão aqui não é se é feio ou bonito, é que isso interfere no ecossistema", afirma Regina.
Tombamento do solo consta no plano diretor do parque. O documento, publicado em 2021, determina que os espaços cobertos por vegetação não podem ser diminuídos e fala que a remoção da camada de serrapilheira pode "ocasionar erosão e diminuição do estado de saúde das plantas". Ao UOL, a Secretaria Municipal de Verde e Ambiente de São Paulo informou que não recebeu pedido de manejo arbóreo e que o Conpresp autorizou intervenções físicas em dois prédios e o uso de edificações e de áreas livres no entorno de outras quatro construções.
Casacor tem autorização para fazer evento nos prédios e nos entornos dos prédios e não fez intervenção em área nativa, explica Reserva. "Qualquer ação realizada em área sensível é precedida por análise técnica e autorizações", disse a companhia em nota. A concessionária também disse ao UOL que nenhuma supressão de árvore foi feita no local, nem nenhuma intervenção em mata nativa. Segundo a Reserva Parque
Intervenções nas paisagens são reversíveis, afirmou Casacor. A organização do evento informou que tem autorizações para fazer as mudanças, disse que foi orientada pela equipe botânica do parque e que nenhuma árvore foi afetada. Segundo a Casacor, as plantas não nativas foram colocadas em vasos, sem contato com o solo. Uma imagem obtida pelo UOL, porém, mostra uma palmeira-de-madagascar plantada diretamente na terra.
Governo afirma que autorizações para mudanças foram permitidas. Ao UOL, o Condephaat, da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do estado, afirmou que as intervenções internas dos prédios foram aprovadas em dezembro de 2024 e as intervenções externas e o arruamento dos jardins foram autorizados em abril de 2025. A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo informou que as intervenções da Casacor têm aprovações dos órgãos de tombamento, mas disse que notificou a Reserva Parques sobre a obrigatoriedade de licenças e de observar a legislação dos órgãos.
Aprisionamento de aves
Animais presos descaracterizaram os ares rurais do parque. Os patos, galinhas e pintinhos, que antes circulavam soltos no Água Branca, agora ficam reclusos. A redução do número de animais no parque estava prevista no plano diretor de 2021, mas a integração dos bichos restantes com o espaço - que acontece desde os primórdios do parque - também consta no documento como "atração e um dos motivos de visita" e não é mantida pela concessão.
O que a gente vê hoje é uma completa descaracterização desse espaço, que vai para muito além de um parque. Além de ser um parque, o que por si só já é de uma complexidade gigantesca, esta é uma área diretamente ligada à história e à pesquisa científica do nosso estado.
Regina Lima, conselheira do Parque da Água Branca, ao UOL
Visitantes ainda podem ver as aves, mas somente através do "programa de educação ambiental". A Reserva Parques afirmou que parte dos bichos foram doados como cumprimento a um termo de responsabilidade, mas aqueles que ficaram no parque fazem parte de um programa de roteiros monitorados e gratuitos que permitem interação com os bichos por parte dos visitantes. Segundo eles, a manutenção dos animais em um ambiente controlado ocorre por questões de controle sanitário e o planejamento é de que o espaço e por reformulações.
Processo prévio à concessão também desmontou áreas importantes, como o Museu de Geologia, explica conselheira. O Mugeo, que funcionava no parque desde 1986 e tinha visitação gratuita, está fechado desde 2022. O aquário, que também ficava no local, foi fechado durante a pandemia e não abriu mais. No contrato da concessionária, há a previsão para que o espaço seja revitalizado e reaberto até seis anos após a formalização da concessão. Segundo a Reserva Parques, projeto de requalificação do prédio do aquário é feito e a intenção é de que a reabertura aconteça antes do prazo firmado em contrato.
Vizinhos relatam incômodo e adoecimento com obras
Ações de concessionária perturbam sossego, diz vizinho. Ao UOL, o advogado Pedro Grzywacz Neto, morador de um prédio que divide parede com o Água Branca, explicou que a rotina do edifício mudou nos últimos anos. No fim de 2024, ele e os outros moradores do condomínio aram a ter o sono interrompido por caminhões que retiravam entulhos do parque de madrugada. Vídeos obtidos pelo UOL mostram que os veículos manobram a poucos metros das janelas dos moradores.
Por dois meses e meio todas as noites chegavam caminhões para retirar entulhos, descarregar caçamba, fazer movimentações em relação aos eventos que estavam ocorrendo no parque. A gente quase não dormiu nesse período. Muita gente ficou esgotada, muita gente ficou doente.
Pedro Grzywacz Neto, ao UOL
Diálogo com representantes do parque foi aberto após meses. Segundo o morador, após a repercussão envolvendo a instalação da churrascaria no local, a concessionária se mostrou mais aberta a diálogo, mas ele e os vizinhos temem quais serão as próximas ações da concessionária. "Temos medo das coisas que podem surgir adiante, porque deixou de ser um parque e virou um espaço onde existem eventos", afirmou. Apesar de serem incomodados com menor frequência hoje, alguns dias ainda são de barulho intenso à noite, explicou o advogado.
Ruas por onde antes andavam visitantes agora são espaço de entrada e saída de veículos de obra, analisa morador. Ao UOL, Pedro afirmou que viu o parque minguar desde o início da concessão. "O que víamos até 2021 eram familias entrando no parque para terem um dia de tranquilidade, visitar os pavões, galinhas, pintinhos que existiam lá. Hoje, depois da concessão, isso foi se dissolvendo. O parque virou uma terra estranha. Existem as árvores, os caminhos, as edificações tombadas. mas quase ninguem mais vem visitar, entrar com a familia", afirma.
Número de visitantes segue o ritmo de outros parques no pós pandemia, diz concessionária. Ao UOL, a Reserva Parques explicou que a tendência de crescimento no número de visitantes deste ano é superior a dos anos anteriores. O parque também afirmou que está "comprometido em minimizar ao máximo os transtornos à vizinhança ao longo do período de intervenções" e disse que tem um diálogo aberto com o síndico do prédio vizinho. Sobre a movimentação dos caminhões após as 22h, o Reserva Parques afirmou que segue as regras do município, que não autorizam circulação dos carros de grande porte de tarde.