"Agentes descartáveis" engrossam fileiras do serviço secreto russo
"Agentes descartáveis" engrossam fileiras do serviço secreto russo - Serviço secreto russo mobiliza espiões amadores para evitar exposição. Ataques tornaram-se mais intensos e frequentes desde a invasão da Ucrânia, alertam pesquisadores. Em 2024, foram 44 ações.Atos de sabotagem contra a entrega de armamentos do Ocidente à Ucrânia, propaganda pró-Rússia e até mesmo assassinatos: a lista de ações do serviço secreto russo na Europa só cresce desde a invasão da Ucrânia em 2022, aponta um estudo da Universidade Leiden, na Holanda.
Segundo o estudo, o número dessas ações saltou de 6 em 2022 e 13 em 2023 para 44 em 2024. O levantamento considerou apenas episódios em que a Rússia foi publicamente citada por autoridades como provável perpetradora. Ciberataques, exceto ações de sabotagem, não entraram na conta.
"Essas operações tornaram-se mais severas ao longo do tempo, evoluindo em direção a táticas mais disruptivas, como (tentativas de) assassinatos. Essa mudança se reflete também nos alvos de operações russas, que em 2024 foram estendidas à aviação civil, políticos, militares e instalações de armas, e infraestrutura de energia e telecomunicações", afirmam os pesquisadores.
Os achados devem servir de "alerta" para políticos europeus, pontua o professor de terrorismo e violência política do Instituto de Segurança e Assuntos Globais em Leiden, Bart Schuurman, que liderou o estudo.
Atentados contra a aviação
Segundo Schuurman, a Rússia não é só responsável por "danos significativos à infraestrutura de energia e telecomunicações", mas também por "ataques terroristas à aviação civil e ameaças a serviços públicos essenciais que poderiam pôr em risco milhares de pessoas".
A tentativa de provocar um incêndio dentro de um contêiner de transporte aéreo da empresa alemã de logística DHL pouco antes de ele ser carregado no avião mostra que as pessoas por trás da sabotagem assumiram o risco de matar pessoas. Outro avião da empresa que caiu na Lituânia e deixou um morto também estaria no radar das autoridades como suspeita de sabotagem, segundo noticiou a imprensa alemã no final de abril.
A Rússia hoje recorre a todas as táticas do serviço secreto, assim como o fez na época da Guerra Fria, afirma à DW Gerhard Conrad, que trabalhou no Serviço Federal de Inteligência da Alemanha (BND). O objetivo é tanto provocar "incerteza na população" quanto "espionar alvos militares relevantes – isto é, da indústria de armas às instalações das Forças Armadas", pontua o ex-agente secreto.
Recrutamento de "agentes descartáveis"
Hoje aposentado, Conrad integra a diretoria da associação GKND, dedicada a discutir as atividades do serviço secreto alemão. Ele, assim como outros ex-agentes hoje reunidos na entidade, tem mais liberdade para falar em público do que os que estão na ativa.
Uma novidade do serviço secreto russo, segundo Conrad, é que eles aram a recrutar os chamados "agentes descartáveis". Muitas vezes, essas pessoas são simpatizantes da Rússia que vivem em território europeu e estão dispostas a provocar tumulto em troca de pagamentos em dinheiro vivo. A vantagem é que, caso sejam expostos em público, o dano aos órgãos de inteligência russos é relativamente pequeno.
Tais "ações de guerrilha" cometidas por sabotadores de ocasião ocorreram com relativa frequência antes da eleição geral na Alemanha, em fevereiro deste ano.
Um dos casos suspeitos foi a vandalização em série de escapamentos de carros em diferentes pontos do país – supostamente cometida por ambientalistas, a ação visava incitar o eleitorado contra o Partido Verde, vocal defensor da ajuda militar alemã à Ucrânia e alvo recorrente de campanhas de desinformação.
Esses espiões amadores também estariam sendo recrutados para operar drones que sobrevoam instalações militares das Forças Armadas alemãs. Um levantamento do site investigativo Correctiv aponta que só em 2024 foram abertas 24 investigações por suspeita de espionagem usando os aparelhos.
Ameaça aumentou desde 2014
Mas a crescente ameaça russa não começou em 2022, afirma Conrad; ela vem "pelo menos desde 2014". Naquele ano, a Rússia respondeu aos protestos pró-União Europeia na Ucrânia com a anexação ilegal da Península da Crimeia e o envio de soldados à região do Donbass, no leste do país.
Conrad diz não ter dúvidas de que essa ameaça não vai acabar tão cedo, e diz que as pessoas na Europa precisam ter clareza disso. A Alemanha e o continente europeu, argumenta, têm que se preparar para se defender da "guerra híbrida" russa – e por muito tempo. Isso requer investimentos nas Forças Armadas e também nos serviços de inteligência, afirma.
Por "guerra híbrida", entenda-se a expansão de operações militares de combate com a ajuda de espionagem, sabotagem, ataques cibernéticos, interferência eleitoral, propaganda ou campanhas de desinformação com o objetivo de enfraquecer e desestabilizar o inimigo internamente.
"É preciso muito pessoal, muitas possibilidades técnicas, também possibilidades legais, para reconhecer a tempo essas estruturas de ataque", diz Conrad.
Autor: Frank Hofmann