Caso Léo Lins e a luta pela liberdade de ofender
Caso Léo Lins e a luta pela liberdade de ofender - Quem defende com afinco o humorista está lutando por quê? Pelo direito de ser preconceituoso com gordos? Pela liberdade de imitar pessoas com deficiências enquanto uma platéia gargalha?Nos primeiros minutos de seu show de stand up Perturbador, o humorista Léo Lins faz uma imitação grosseira de deficientes auditivos. Não é engraçado ver o vídeo, que continua disponível no YouTube. Ao contrário, é triste e revoltante.
Em seguida, por uma hora e meia, ele profere uma série do que chama de "piadas", mas que estão mais para ataques e ofensas racistas, homofóbicas, misóginas, gordofóbicas, etaristas e contra pessoas com HIV. Ele também "brinca" e banaliza a pedofilia. São falas tão ofensivas, e até perigosas, que não serão reproduzidas nesta coluna. O que posso dizer: é indigesto e literalmente enjoativo ar uma hora e meia ouvindo tanto impropério.
É por causa desse show de horrores que Léo Lins foi sentenciado pela juíza Barbara de Lima Iseppi pelos crimes de racismo e capacitismo. Na sentença, ela enquadra as falas do humoristas na lei 7.716/1989, que atinge quem "praticar preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" e na lei 13.146/2015, que pune quem "praticar, induzir ou incitar discriminação de uma pessoa em razão de sua deficiência." A juíza levou em conta também o alcance do vídeo do show na internet.
A sentença motivou uma grande discussão no Brasil sobre os limites do humor e a liberdade de expressão. Além disso, no último fim de semana, jornais dos Estados Unidos, como o Washington Post, publicaram artigos falando que a liberdade de expressão estava ameaçada no Brasil, o que não é verdade. Não existe censura no país, como muitos insistem. Existem leis e um processo legal que está na Constituição.
A lei dos Estados Unidos é diferente. Mas, em muitos países, como a Alemanha, por exemplo, não são todas as "piadas" (com muitas aspas) que são permitidas. Um humorista pode fazer "piada" banalizando o nazismo e o Holocausto por aqui? Não. E não acho que a Alemanha nem o Brasil sejam "estados totalitários". Na verdade, tenho certeza que não são.
Uma prova disso é o fato de Léo Lins ter amplo direito à defesa. Ele não foi preso (nem acredito que vá ser). Ele foi condenado por uma juíza, mas ainda tem o direito de recorrer em liberdade em todas as instâncias. E é assim mesmo que tem que ser em um Estado democrático de direito. Uma sentença de oito anos pode ser exagero? Não sou jurista, mas me parece que sim. Mas também acho que, ao ofender tantos grupos, ele cometeu crimes. E, de alguma maneira, precisa pagar por isso.
Punir racismo e capacitismo é evolução
"Era só uma piada", repetem vários humoristas em coro. Mas, espera, será que alguém tem direito de falar o que bem entende (mesmo que seja proibido no país) para milhares de pessoas e lucrar com isso só porque a sua profissão é "humorista"? Não acho que seja o caso. Racismo e capacitismo são crimes no Brasil. Ponto.
Além da parte legal do caso, é curioso ver como tanta gente ainda acha que é bacana ofender pessoas e certos grupos. Quem defende com afinco Léo Lins está lutando por quê? Pelo direito de ser preconceituoso com gordos? Pela liberdade de imitar pessoas com deficiências enquanto uma platéia gargalha? Eles querem direito ir de fazer "piadas" racistas e homofóbicas, mesmo que isso possa magoar milhares de pessoas? Que causa estranha para lutar, não?
Quando eu era criança, lá nos anos 80, esse tipo de "piada" era aceita. Era normal que grupos fizessem músicas falando que "mulher é tudo vaca", e programas de sucesso que eu amava, como Os Trapalhões, mostravam piadas racistas o tempo todo. Muitos se dizem nostálgicos desses tempos em que adultos fumavam em carros ao lado de crianças, não usávamos cinto de segurança e era ok fazer piada "de gay" e "de preto". Como todo mundo, sinto saudades da minha infância e adolescência, mas não dessa parte. Espero, sinceramente, que esses tempos não voltem.
O racismo e o capacitismo não podem ser naturalizados. Por isso mesmo, acredito que falas preconceituosas, inclusive em um contexto de humor, podem ser perigosas. O sujeito que viu o humorista ficar milionário sendo racista vai achar que não tem problema praticar racismo recreativo com um colega, e por aí vai. E vamos lembrar, racismo recreativo é crime. E isso é uma conquista da sociedade, não um o para trás. As coisas mudam e a humanidade evolui. Aceitem.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.Autor: Nina Lemos