
A reação negativa ao decreto do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a necessidade de ajustar as contas públicas podem render bons frutos. Não se deve imaginar que, num estalar de dedos, uma reforma estrutural apareça para transformar o processo orçamentário. Por outro lado, acho difícil que a montanha venha a parir um rato.
A partir desta segunda-feira (9), após o encontro ocorrido, ontem, entre o ministro da Fazenda Fernando Haddad e lideranças do Congresso, espera-se a apresentação de um conjunto de ações de correção de rota para as contas públicas. O comprometimento público dos Presidentes da Câmara, Hugo Mota (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), é a oportunidade para se construir um programa de ajuste razoável.
Não se trata apenas de substituir eventuais novos recuos no IOF, mas, principalmente, de indicar mudanças legais e constitucionais para permitir um horizonte de equilíbrio fiscal. Essas medidas precisariam atacar a rigidez orçamentária e o elevado nível de gastos obrigatórios, além de avançar sobre as centenas de bilhões de reais de incentivos, desonerações, regimes especiais e congêneres, mais conhecidos como gastos tributários.
O Ministro Fernando Haddad conseguiu aprovar uma série de mudanças importantes, na questão tributária, principalmente, produzindo um resultado muito positivo para as receitas. Em 2024, o crescimento real de cerca de 10% contribuiu para a redução expressiva do déficit primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida).
Essas ações envolveram, por exemplo:
a) A adequação do tratamento dos créditos tributários no caso da retirada do ICMS da base do PIS/PASEP e da COFINS;
b) O fim do duplo benefício tributário baseado em incentivos do ICMS, que erodia a arrecadação federal baseada no lucro das empresas;
c) A tributação de offshores e fundos fechados/exclusivos de investimentos;
d) As novas normas aprovadas para as transações tributárias; e
e) O controle do uso do mecanismo de compensações tributárias.
Além disso, conseguiu-se aprovar, ainda em 2023, o Novo Arcabouço Fiscal, por meio de uma lei complementar, de número 200, para fixar os novos parâmetros de comportamento para a receita e o gasto público.
A saber, são duas regras: um limite para o crescimento dos gastos baseado em 70% da evolução ada da receita; e uma regra de resultado primário com bandas. Pode ser melhorada, obviamente, mas nosso problema mais urgente não é mexer, de novo, nas regras do jogo, e sim cumpri-las.
Essa nova legislação também estabeleceu claramente a vinculação entre os objetivos de curto e médio prazos ao alcance das condições de sustentabilidade da relação dívida bruta/PIB, o que ou a estar expresso na lei. O monitoramento e a avaliação de políticas públicas tornaram-se mandatórios e seus resultados, em termos de efeitos fiscais esperados, são publicados, ano a ano, em anexo da proposição para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). É algo incipiente, ainda, como já analisei neste espaço, mas é um avanço.
Não se deve negar a importância de todas essas ações.
A questão é que, mesmo após o pacote fiscal do fim do ano ado, que limitou o crescimento do salário-mínimo ao parâmetro de correção do limite de gastos, por exemplo, as contas ainda não entraram em trajetória sustentável. A perspectiva para 2025 é um déficit primário de mais de R$ 75 bilhões. Ainda que esse desempenho represente cumprir a meta legal, o déficit atrapalha a dinâmica da dívida, pressiona os juros e dificulta atingir certa estabilidade mínima na dinâmica das contas públicas.
Nesse contexto, ao rever projeções infladas de receitas, no último dia 22, a Fazenda e o Planejamento anunciaram números mais realistas para 2025. Retiraram mais de R$ 80 bilhões das estimativas de arrecadação, isoladamente, reconhecendo a elevada incerteza de diversos itens originalmente previstos na proposta orçamentária e aprovados, na LOA (Lei Orçamentária Anual), pelo Congresso. Cortaram, ainda, R$ 31,3 bilhões em gastos públicos previstos. Um feito e tanto.
Para substituir parte do prejuízo, o governo apresentou o decreto do IOF, cujas reações negativas são do conhecimento de todos. A retirada desse bode do meio da sala (ou de um pedaço dele, digamos) poderá permitir que a agenda da contenção do gasto público ganhe algum espaço político.
Não apenas os especialistas, como de costume, ousaram fazer suas propostas (como eu mesmo, neste espaço, na semana ada, e numa versão complementar, em coluna para o Estadão em parceria com Josué Pellegrini), como também as lideranças do Legislativo estão defendendo ajustes.
O Presidente Hugo Mota chegou até a reconhecer a necessidade de cortar emendas parlamentares. De fato, elas atingiram patamar impossível de se enquadrar na evolução orçamentária, como mostra a própria proposição do governo para a LDO de 2026. Para ter claro, sem mudanças nas emendas e nos gastos obrigatórios, o Estado irá à falência, porque faltarão recursos para custear a máquina e programas essenciais.
Claro que a mudança de regras do jogo sempre pode ser uma alternativa, mas, diante do quadro de juros elevados que já estamos a amargar, isso só faria as vezes de uma espécie de cereja em um bolo bastante amargo. O caldo entornaria de vez.
É preciso aproveitar a manifestação desse "consenso" nas posições das principais lideranças políticas do Executivo e do Legislativo de que é preciso ajustar as contas públicas. Mentiras sinceras nos interessam, também, por vezes, caro leitor, caso esteja duvidando das reais intenções de parte dos que se dispõem, hoje, ao ajuste, quando, ontem, jogavam lenha na fogueira do gasto.
Minha percepção é de que se escolherá uma espécie de caminho do meio. Certa redução no volume astronômico de quase R$ 545 bilhões em gastos tributários, conforme estimativa que acompanhou a proposta orçamentária deste ano; mudanças nas emendas parlamentares; discussão do salário-mínimo como indexador de gastos sociais e previdenciários; alteração no Fundeb (que, em 2026, será quase 2,5 vezes o que era, em termos de percentual de contribuição da União); limitação dos supersalários dos membros e servidores dos Poderes; e por aí vai. A ver.
O ideal é que o foco não seja apenas tapar o buraco do IOF, mas, sim, estabelecer condições mínimas para ajudar o país a reencontrar o caminho da estabilidade da relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto). A complexa tarefa de 2027, possivelmente, seria amenizada se parte dos ajustes começarem a ser feitos ou ao menos preparados desde já.