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'Como um valentão': Trump usa 'bullying na diplomacia' e aumenta tensões

Donald Trump constrangeu presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, durante encontro na Casa Branca, com acusações de "genocídio contra brancos" -  Jim WATSON / AFP
Donald Trump constrangeu presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, durante encontro na Casa Branca, com acusações de 'genocídio contra brancos' Imagem: Jim WATSON / AFP
do UOL

Do UOL, em São Paulo

25/05/2025 05h30

Os frequentes episódios de constrangimento protagonizados por Donald Trump diante de líderes mundiais, desde que assumiu seu segundo mandato presidencial nos EUA, são parte de uma estratégia de intimidação e "bullying", até então inédita na diplomacia global, avalia Denilde Holzhacker, cientista política e professora de Relações Internacionais da ESPM.

O que aconteceu

Salão Oval se tornou ambiente "hostil" para convidados, avalia professora. Ela destaca os encontros televisionados na Casa Branca entre o republicano e os líderes ucraniano, canadense e, mais recentemente, sul-africano, que classifica como "alvos mais mais fáceis" de serem atingidos e intimidados por Trump (relembre aqui caso a caso).

É importante lembrar que Trump faz isso apenas com determinados países. Ele escolhe seus 'targets' [alvos], e são sempre quem ele entende que tem fragilidades a explorar. Por outro lado, com governos que ele sabe que têm capacidade de revidar ou tomar ações concretas depois, a atitude é muito distinta. O Macron, por exemplo, foi questionado, mas num nível político, não foi humilhado. Duvido que o Xi Jinping, ou mesmo o Putin, também seria. Denilde Holzhacker, cientista política e professora de Relações Internacionais da ESPM

Dois pesos, duas medidas. A professora pontua que, mesmo entre os episódios de tensões causadas por Trump e seu entorno, foram dados tratamentos diferenciados. "O premiê do Reino Unido [Keir Stammer], que foi questionado na Casa Branca, não foi de forma vexatória como aconteceu com o ucraniano [Volodymyr Zelensky], que depende mais da ajuda dos EUA", exemplifica. "Então, ele usa essa tática de constrangimento quando sabe que poderia ter mais sucesso", completa.

É como a lógica do valentão que se impõe para o outro que ele sabe ser mais frágil. Por isso, termos como 'bullying diplomático' têm sido utilizados por analistas para descrever esses comportamentos de Trump. (...) Eu chamaria de bullying na diplomacia, porque o que ele faz é pouco diplomático. Mas é, sim, uma imposição pelo poder e pela força. Denilde Holzhacker

Os objetivos de Trump

Professora destaca três estratégias por trás dos comportamentos de Trump. A primeira delas seria para "demonstrar força" à base trumpista. "Agindo assim, ele demonstra para o seu público nacionalista que é um líder forte e capaz de impor posições, e que não tem nenhuma amarra para questionar outros líderes internacionais".

Dessa forma, segue Holzhacker, ele busca alimentar "o imaginário dos eleitores que o apoiam". Ao demonstrar que está conseguindo trazer para os Estados Unidos um papel não só de relevância que sempre teve, mas de força, ele consegue demonstrar à sua base o quanto de poder os americanos ainda têm no mundo", acrescenta a cientista política, que também é coordenadora do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos da ESPM.

Outro objetivo seria expor a "fragilidade" dos líderes dentro de seus próprios países. A professora avalia que, com isso, Trump estaria tentando interferir nos debates domésticos e, assim, ter mais influência no cenário político mundial.

Terceiro fator envolve estratégia de Trump para conseguir fechar acordos pela imposição e exposição pública de seus pares, completa a analista. "Ser muito impositivo para tentar forçar esses líderes a fazer grandes concessões também é parte de sua tática de negociação", diz Holzhacker. "Toda vez que ele faz isso publicamente, está deixando o outro numa situação desconfortável, de pressão, e acaba tendo mais força na hora de negociar", acrescenta.

Lideranças rebatem provocações de acordo com suas personalidades e interesses. Diferente do episódio com Zelensky em fevereiro, que resultou em um embate direto com Trump — transmitido ao vivo e, posteriormente, apaziguado pelo ucraniano —, outras lideranças optaram por "apaziguar" as tensões com mais diplomacia.

28.fev.2025 - Trump discute com Zelensky durante encontro no Salão Oval - SAUL LOEB / AFP - SAUL LOEB / AFP
28.fev.2025 - Trump discute com Zelensky durante encontro no Salão Oval
Imagem: SAUL LOEB / AFP

Acredito que todos tentam não ser os provocadores, ainda mais sabendo que poderiam cair em alguma situação de confrontação em temas mais sensíveis que escalaram em um bate-boca com Trump. Além disso, são governos que ainda precisam dos EUA e, afinal, estão indo até lá para ampliar o relacionamento econômico com o país, que ainda tem muito poder econômico, tecnológico e militar.

Consequências para os EUA

Postura de Trump pode prejudicar EUA e escalar tensão global. A analista avalia ainda que, ao tratar aliados como "oponentes", o presidente norte-americano perde oportunidades de negociação e "aumenta a desconfiança" entre parceiros comerciais pelo mundo.

Ele a a não ser mais visto como um aliado ou ator confiável e, a partir disso, os governos devem buscar alternativas. (...) Enquanto Trump busca ampliar os negócios e o poder dos EUA pelo mundo, os mercados estão olhando para ele com mais desconfiança.
Denilde Holzhacker

Governos já buscam alternativas comerciais após tarifaço de Trump e frequentes tensões diplomáticas podem "acelerar" movimento estrangeiro, ressalta Holzhacker. A exemplo do episódio mais recente, com o presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, a professora afirma: "A África do Sul participa dos BRICS e existe uma forte presença chinesa no país. Então, a tendência é que o governo busque fortalecer ainda mais a aliança com a China para depender cada vez menos dos Estados Unidos".

Ao invés de fortalecer a posição dos EUA, essa estratégia pode estar enfraquecendo ainda mais a percepção externa do país como um ator confiável e capaz de ser, de fato, uma liderança global. E é importante destacar que isso extrapola seus comportamentos no Salão Oval. Envolve todo o contexto da nova política externa trumpista, focada no que eles têm a ganhar e pouco preocupada nos ganhos dos seus parceiros.
Denilde Holzhacker

Postura inédita

Comportamento de Trump é sem precedentes, conclui professora. Ela explica que tensões diplomáticas sempre ocorreram ao longo da história, mas dentro do âmbito privado. "As negociações nunca foram fáceis, mas, em público, o protocolo sempre foi muito diplomático, mesmo quando os líderes não estavam se entendendo".

Ainda que houvesse alguma provocação sutil, era tudo feito com muito cuidado. Agora, parece que Trump rompeu essa lógica, impondo transmissões ao vivo e humilhando líderes publicamente. Com certeza, isso é bem inédito nas relações internacionais entre os governos.
Denilde Holzhacker

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